IVAN KUSSLER
IVAM EVALDO KUSSLER
IVAN EVALDO KUSSLER
RET DA WEB POR MELINA EM HOMENAGEM A IVAN KUSSLER
SEM FINS PROMOCIONAIS PARA MIM NEM PARA MEU AMIGO IVAM EVALDO KUSSLER
O Homem Nu
Fernando Sabino
Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de
pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas
acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a
mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar
de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando
ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que
não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama,
dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá
dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a
porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com
cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o
embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito
cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a
porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a
campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor.
Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas
ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão.
Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu —
chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio
fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a
porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...
Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada
entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu
apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou
eu!
Desta vez não teve tempo de insistir:
ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de
pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão,
parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se
aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o
botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa,
encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando
o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do
elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não! — fez o homem
nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a
porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho
conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais
longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka,
instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do
Terror!
— Isso é que não — repetiu,
furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e
abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo,
fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois
experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o
elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria
subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta,
enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava,
desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se
abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o
traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era
a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele,
confuso. — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os
braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está
nu!
E correu ao telefone para chamar a
radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na
porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria,
vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha
filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu
finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se
precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois,
restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele,
ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.
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